domingo, 20 de novembro de 2011

Das flores de plástico


Eu estava na cama, quando ouvi minha mãe chamando:

- Lian, você está dormindo?

Estava.

- Você voltou tarde ontem?

Voltara.

Ela então parou na porta do meu quarto e anunciou que uma senhora, amiga da família, havia falecido, e perguntou se eu ficaria dormindo ou iria com meus pais ao enterro. É claro que eu ficaria dormindo.

Eu fora a um enterro na vida: o do meu avô, quando eu era criança muito pequena ainda. Depois disso, a cada vez que as situações me convidavam ao cemitério, eu me trancava no quarto. Era minha forma mimada de dizer que eu não sou conivente com a morte. Não, eu não a deixo se aproximar.

Mas aí, já acordada, fiquei rolando na cama, a pensar que talvez fosse hora de crescer. "Desculpem, mas se morre", Clarice joga em minha cara. E eu viro o rosto de lado e respondo, mãos na cintura: "Não, não se morre!" E quase mostro a língua.

Foi, pois, ali, deitada na cama, que minha criança pariu uma adulta. E se puseram a conversar. Era preciso que a adulta puxasse a criança pela mão. "Mas se existe amor..." Eu nunca entendi como amor e morte podem existir em uma mesma realidade. Eu não entendo. Nem minha adulta entendia, mas era preciso coragem para pisar no azulejo e dar um primeiro passo no mundo. Demos. Nós três, de mãos dadas. A velha criança, a adulta recém-parida e esse ser desconhecido que está no meio disso tudo.

Sim, a minha adulta levou a criança ao cemitério e me mostrou: "Está vendo que se morre?" Eu olhava as outras crianças no velório, levadas pelos pais. Elas aproximavam-se do caixão, curiosas. Nós, crianças, boquiabertas de espanto.

É que sou muito pequena. Não sei entender a finitude. Não sei me proteger da dor dos vivos sem me transbordar toda de dor, também. É que sou pequena. Preciso que me garantam que os meus serão sempre vivos, porque não sou mais do que são. É porque sou tão pequena, não apaguem as luzes. Tenho medo da escuridão.


4 comentários:

W L disse...

Lindo... lindo. Comovente.

Juca disse...

Muito lindo. Adorei!

Clarice disse...

Gostei demais de ler você. Estou recomendando pra minha turma de perseguidores, em meu bloguinho.
Alguém que além de saber escrever sabe desminhocar as ideias de modo cativante. Parabéns.
Abraço.

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

A "culpada" de eu estar aqui, é a Clarice. Bendita "CULPA"!!!!

Já instalei meu retratinho...vou voltar, Lian!

Um beijo,
da Lúcia.