Na minha infância, havia na garagem do prédio um espaço cercado, que nós, crianças, chamávamos de “verdinho”, por conta do piso verde. Havia o “verdinho” e o “verdão”, e brincávamos em um ou em outro, dependendo do tamanho da brincadeira. No espaço maior brincávamos de correr e jogar bola, enquanto o menor era reservado para as brincadeiras íntimas, casinha, escolinha e outras pequenas fantasias infantis.
Havia, no verdinho, algumas pedrinhas arredondadas, seixos rolados. Elas eram diferentes das outras pedras porque, para nós, aquelas tinham vida. Chamávamo-las de “manteiguinhas”. Dedicávamos longas horas brincando com elas. As mais achatadas eram os carrinhos das manteiguinhas, os buracos no muro eram suas casas. Cuidávamos delas e nos ofendíamos quando alguém as jogava fora ou “maltratava”.
Depois aquele prédio ficou para trás e com ele também as manteiguinhas e as vidas que lhes dávamos. Também a infância ficou para trás. Mas permaneceu o costume de catar pedras pelo caminho, de selecioná-las, de guardar algumas como tesouro, de me importar com elas e com suas vidas. E segui assim, encontrando várias pedras, mas reconhecendo poucas, pouquíssimas manteiguinhas.
Uma delas eu guardo em casa. Tem um nome próprio, mas tem também um nome que é meu. É uma manteiguinha-garoto e é um amuleto que tenho. Tê-lo por perto me conecta com um mundo que é maior do que eu. Há aproximadamente dois meses concretizamos o plano de viver na mesma casa. Não sei se é um plano de dois ou de quinze anos, pois tenho a lembrança daquela época remota em que eu sonhava formar uma comunidade com nosso grupo de teatro adolescente, minhas manteiguinhas, entre as quais ele tinha um papel central. E depois houve os origamis e ele foi meu amuleto perto e depois meu amuleto à distância. Nós dois partimos e nos repartimos tantas vezes até estar um dia, novamente, na mesma cidade.
E era bom quando, já me preparando para dormir, eu ouvia seus passos chegando em casa. Era bom tê-lo por perto e às vezes sentar ao seu lado, enquanto ele tocava violão, só para ver alguma dor pontual se desmanchando com seus acordes. Porque ele me resgatou nos meus piores momentos e sempre o fez em silêncio. Porque sua simples presença me dá a certeza de que não me encerro nos limites do meu corpo, pois lá está ele, meu pedaço. Procuramos apartamentos juntos, depois cada um foi para um canto, até o destino nos unir na mesma casa.
Então ele chega e bate na porta, ele chega faminto procurando comida na geladeira, ele canta tranqüilo mesmo quando está com pressa. Ele fura a minha parede, coloca vidro na janela e se ressente porque o gato Serafim não lhe dá atenção. Nós conversamos sobre deus, sobre o universo e sobre nossos signos. E concluímos que nós, taurinos, somos legais e nos damos bem.
Eu me deparei com muitas pedras no caminho, mas pouquíssimas manteiguinhas. E ter esta por perto, em mãos, em casa, faz com que o universo seja o meu verdinho.
Havia, no verdinho, algumas pedrinhas arredondadas, seixos rolados. Elas eram diferentes das outras pedras porque, para nós, aquelas tinham vida. Chamávamo-las de “manteiguinhas”. Dedicávamos longas horas brincando com elas. As mais achatadas eram os carrinhos das manteiguinhas, os buracos no muro eram suas casas. Cuidávamos delas e nos ofendíamos quando alguém as jogava fora ou “maltratava”.
Depois aquele prédio ficou para trás e com ele também as manteiguinhas e as vidas que lhes dávamos. Também a infância ficou para trás. Mas permaneceu o costume de catar pedras pelo caminho, de selecioná-las, de guardar algumas como tesouro, de me importar com elas e com suas vidas. E segui assim, encontrando várias pedras, mas reconhecendo poucas, pouquíssimas manteiguinhas.
Uma delas eu guardo em casa. Tem um nome próprio, mas tem também um nome que é meu. É uma manteiguinha-garoto e é um amuleto que tenho. Tê-lo por perto me conecta com um mundo que é maior do que eu. Há aproximadamente dois meses concretizamos o plano de viver na mesma casa. Não sei se é um plano de dois ou de quinze anos, pois tenho a lembrança daquela época remota em que eu sonhava formar uma comunidade com nosso grupo de teatro adolescente, minhas manteiguinhas, entre as quais ele tinha um papel central. E depois houve os origamis e ele foi meu amuleto perto e depois meu amuleto à distância. Nós dois partimos e nos repartimos tantas vezes até estar um dia, novamente, na mesma cidade.
E era bom quando, já me preparando para dormir, eu ouvia seus passos chegando em casa. Era bom tê-lo por perto e às vezes sentar ao seu lado, enquanto ele tocava violão, só para ver alguma dor pontual se desmanchando com seus acordes. Porque ele me resgatou nos meus piores momentos e sempre o fez em silêncio. Porque sua simples presença me dá a certeza de que não me encerro nos limites do meu corpo, pois lá está ele, meu pedaço. Procuramos apartamentos juntos, depois cada um foi para um canto, até o destino nos unir na mesma casa.
Então ele chega e bate na porta, ele chega faminto procurando comida na geladeira, ele canta tranqüilo mesmo quando está com pressa. Ele fura a minha parede, coloca vidro na janela e se ressente porque o gato Serafim não lhe dá atenção. Nós conversamos sobre deus, sobre o universo e sobre nossos signos. E concluímos que nós, taurinos, somos legais e nos damos bem.
Eu me deparei com muitas pedras no caminho, mas pouquíssimas manteiguinhas. E ter esta por perto, em mãos, em casa, faz com que o universo seja o meu verdinho.
9 comentários:
Que lindo, quase deu um ciúminho!! kkk, afinal, lá no fim eu tb sou um DC... rsrs
bjs
Muito bonito o texto. Fico feliz em saber que o Daniel também foi investir nas artes cênicas, o que soube somente semana passada. Fico deliz que pessoas que conheci e admirei desde muito tempo - poxa, há 15 anos, lá estava eu assistindo aos teatros encenados por vocês - e saber que mesmo em um folheto de rede de pizza sinto orgulho em saber que vocês estão correndo atrás de seus sonhos. Boa sorte a vocês!!
Lian, nunca me emocionei tanto em um texto seu. Me admira seu jeito tão sincero de falar de amor, de dizer "eu te amo" aos seus amigos, porque pra cada um deles, um amor especial, uma dedicação exclusiva. Por isso, o Daniel Borges não precisa ter ciúmes, rs.
Bjooo!
Que lindo Lian!!! E parabéns ao Daniel...
bjinhos! (sem ciúmes hehehe)
Quer me matar mesmo, né...vc com muitas palavras e eu, sem palavras.
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Aqui tudo são flores, mas a
dona do jardim...
Borboletas e beija-flores voam
ao seu redor.
silvioafonso
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Texto lindo, emocionante. O coração até emudece para que não atrapalhe a leitura.
Parabéns!
Que lindo! Tão bom ter com quem contar
Viajei lendo esse texto, imaginei cada detalhe, uma delícia! Só de imaginar essa amizade de pessoas tão lindas como vocês a vida já vale a pena. Amo!
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