Ontem cheguei em casa e minha irmã tinha uma tamanduá-bandeira bebê no colo. Ela me explicou que a mãe do animalzinho tinha sido atropelada e que a bebê precisava de atenção integral, mas que desde então passara de casa em casa, pois era uma tamanduá complicada: não ficava abraçada, como as outras filhotes da espécie, chorava o tempo inteiro, recusava-se a mamar e, quando forçada, acabava vomitando. Ajudei a dar mamadeira para a filhote e ela realmente deu trabalho: tive que segurar as patinhas, para que ela não unhasse. À noite saí e, quando voltei, minha irmã e a tamanduá dormiam juntas na cama. Pressenti que, a partir de então, ela se adaptaria à nossa rotina humana.
Vê-la tão assustada me remeteu a um tempo longínquo, em que eu também era filhote e assustadiça. Uma lembrança antiga, de quando eu era muito pequena. Estávamos em São Paulo e, quando chegamos à casa de meus avós maternos, tudo estava vazio e silencioso. Meu avô havia morrido e minha avó estava no andar de cima, chorando. Nesse mesmo dia apareceu uma senhora chinesa que nos levou, eu e minha irmã, para sua casa. Chegando lá, havia um grupo de jovens. A senhora falava em chinês coisas que não entendíamos e as garotas riam, achando graça. Eu e minha irmã pensávamos que riam da gente. Éramos dois bichinhos assustados, naquele mundo de estranhos. E éramos todos humanos.
Olho a bebê tamanduá tão perdida entre nós e a imagem daquela noite persiste em minha mente. Um animalzinho que vivia no meio do mato, grudado nas costas da mãe, e que de repente todo o mundo que lhe é familiar desaba, sendo-lhe imposto um mundo de estranhos. Aos poucos vejo-a se sentindo um pouco menos desconfortável, apegando-se à minha irmã, procurando seu colo. E penso que talvez todos nós tenhamos que passar por isso: essa violência com que somos impelidos a mundos desconhecidos e a busca constante por um colo, aquele colo que devolve a segurança de um mundo familiar.