sábado, 31 de julho de 2010

A tamanduinha


Ontem cheguei em casa e minha irmã tinha uma tamanduá-bandeira bebê no colo. Ela me explicou que a mãe do animalzinho tinha sido atropelada e que a bebê precisava de atenção integral, mas que desde então passara de casa em casa, pois era uma tamanduá complicada: não ficava abraçada, como as outras filhotes da espécie, chorava o tempo inteiro, recusava-se a mamar e, quando forçada, acabava vomitando. Ajudei a dar mamadeira para a filhote e ela realmente deu trabalho: tive que segurar as patinhas, para que ela não unhasse. À noite saí e, quando voltei, minha irmã e a tamanduá dormiam juntas na cama. Pressenti que, a partir de então, ela se adaptaria à nossa rotina humana.
Vê-la tão assustada me remeteu a um tempo longínquo, em que eu também era filhote e assustadiça. Uma lembrança antiga, de quando eu era muito pequena. Estávamos em São Paulo e, quando chegamos à casa de meus avós maternos, tudo estava vazio e silencioso. Meu avô havia morrido e minha avó estava no andar de cima, chorando. Nesse mesmo dia apareceu uma senhora chinesa que nos levou, eu e minha irmã, para sua casa. Chegando lá, havia um grupo de jovens. A senhora falava em chinês coisas que não entendíamos e as garotas riam, achando graça. Eu e minha irmã pensávamos que riam da gente. Éramos dois bichinhos assustados, naquele mundo de estranhos. E éramos todos humanos.
Olho a bebê tamanduá tão perdida entre nós e a imagem daquela noite persiste em minha mente. Um animalzinho que vivia no meio do mato, grudado nas costas da mãe, e que de repente todo o mundo que lhe é familiar desaba, sendo-lhe imposto um mundo de estranhos. Aos poucos vejo-a se sentindo um pouco menos desconfortável, apegando-se à minha irmã, procurando seu colo. E penso que talvez todos nós tenhamos que passar por isso: essa violência com que somos impelidos a mundos desconhecidos e a busca constante por um colo, aquele colo que devolve a segurança de um mundo familiar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Noites goianas

Está sendo ótimo reencontrar meus amigos goianos, reconhecê-los, contar as novidades, conversar sobre o passado comum, comer espetinho e rodízio de crepe, beber suco de frutas. E, por algum motivo, acho que não há nada mais prazeroso do que dirigir à noite, sozinha, com o rádio ligado. E às vezes me bate uma saudade besta, como a de voltar de um show no Jaó e parar com os amigos em um pit dog no caminho para tomar creme de morango. São flashes de felicidade que me vêm assim, como uma saudade sem dor.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Coisas que aprendi na Argentina:


Regras da língua:
- Regra da exclusão. ex: próprio/propio
- Regra da inversão. ex: pergunta/pregunta
- Regra da confusão. ex: "prohibido salivar"
Regras de trânsito:
- É obrigatório ser capaz de fazer o quatro, para dirigir.
- Os caminhões devem avançar como homem.
Equivalências:
- Espermatozóide é o cachorro do sapo.
- 35 argentinos equivalem a uma mini hipopótama.
- Um boi equivale a 15 mato-grossenses.
- 37 é o 422 de Buenos Aires.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Volver


E voltei. Ao Rio, a São Paulo, a São Carlos, a Goiânia. E ainda a nenhum lugar, definitivamente. Voltei por uma noite ao Rio, para alimentar a saudade de um abraço de urso (pois saudade não se mata, se alimenta). Por uma manhã a São Paulo, para bater papo com minha tia mais prima do que tia e encontrar minha priminha quase chegando à minha altura, mas que pra mim é sempre bebê. Por uma noite em São Carlos, para comer muita comida chinesa e dormir todas as noites maldormidas anteriores. E, após um dia inteiro de estrada, cá estou em Goiânia. Para curtir a família, os gatos, os amigos. É bom estar de volta.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Esses casais inconvenientes

Eu fico olhando esses casais. Esses que estao sempre grudados, que trocam demonstracoes públicas de afeto o tempo inteiro, que têm uma química de animal no cio. Esses casais inconvenientes, para quem, em um bar, nao é necessário que haja duas cadeiras, pois um sempre está no colo do outro. Esses casais que, mesmo entre amigos, familiares ou multidoes, parecem que estao a sós e que o mundo é aquela pequena bolha de duas pessoas. Esses casais que nos constrangem, quando, no meio de uma conversa, resolvem tascar um super beijo de língua no companheiro. Esses que se enroscam nas praças, nos parques. Esses que nao se desgrudam e passam as madrugadas acordados, com o som ligado no último volume, dando risadas sem se entediarem com a presença constante do outro.

Eu olho esses casais, esses inconvenientes casais, entre constrangida com a excessiva exposiçao de afeto e a sensaçao de que estou sobrando. E eu confesso que sinto uma ponta de inveja desse modo de amar sem ressalvas. Eu que amo comedidamente, discretamente. Eu que amo do outro lado da mesa, atrás de taças e talheres. Eu que amo em entrelinhas. Eu olho esses casais inconvenientes e, secretamente, desejo um amor incontido.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Dia do amigo


Amanhã é o Dia do Amigo. Ainda bem que em nosso país essa data ainda não é super explorada comercialmente. Aqui em Buenos Aires, entretanto, há em todas as lojas anúncios, sugestões de presentes, etc. E parece que, além de trocarem presentes, as pessoas aproveitam a data para comemorar com os amigos. Amanhã eu e a Carol vamos entrar de penetra em duas dessas comemorações. Mas confesso que, nesse dia, eu queria tantas outras pessoas por perto. Essas que agora estão longe e que tornam minha vida mais divertida e mais plena de sentido. Um abraço aos meus amigos!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Buenos Aires Newsletter


- Ontem foi votada a lei que permite casamentos gays aqui na Argentina. Voltando de ônibus e passando na frente do Congresso, vimos uma manifestaçao contra a tal lei. O inacreditável é que o protesto era formado por jovens. Acho triste ver tantos jovens assim conservadores e preconceituosos.

- Meu primeiro problema para usar os computadores aqui na Argentina foi encontrar o " @ ". Agora que estou acostumada, vejo que é facílimo: é só apertar Alt 64. Nem entendo por que os estrangeiros ficam perdidos.

- Demoramos para entender o sistema de cobrança dos ônibus. Depois descobrimos que, quando passamos a entender e pagar sem precisar perguntar, entao há lugares para sentar de costas. No dia em que nem precisarmos perguntar o trajeto, haverá lugares para sentar de frente.

- A minha companheira de viagem nao acredita em paredes e é alérgica a alegria.

- Descobri uma ótima maneira de secar rapidamente as calcinhas: colocando na calefaçao. O problema é que é rápido demais. Ontem a minha acabou queimada!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Buenos días en Buenos Aires


Já no aeroporto o funcionário perguntou: "Vocês portam algum objeto cortante, como tesoura, faca, pinça...?" Como assim? Pinça??!! Quando preparei a mala, eu até pensei bem se poderia levar a pinça na bolsa, mas acabei concluindo que teria que cutucar muito para cortar alguém com aquilo. Mas, já que nao podia, nao podia, ok... No fim das contas foi até boa a precauçao, pois era bom manter a Carol, amiga que me acompanhava, longe de qualquer arma em potencial. Já no balcao de embarque ela me avisou que tinha pavor de aviao e que desta vez eu a veria histérica. Entao eu nunca a havia visto histérica? Seria a primeira vez? Ok, fiquei com medo. Quando o aviao decolou, ela comecou a ficar vermelha e orar. Eu quis entoar o mantra que usávamos no "Livro Tibetano dos Mortos", mas ela nao gostou nada da ideia.

Chegamos no frio de Buenos Aires e fomos recebidas na casa de um argentino hippie muito gente boa. Fizemos um pacto, obedecendo às regras do manual, de que só falaríamos espanhol. Passamos por vários momentos hilários, incluindo uma longa discussao filosófico-sociológico-existencial com argentinos. Como mandam as regras de etiqueta, discutimos também religiao, futebol e política. Acabamos concluindo que espermatozoide é o cachorro do sapo. E, no fim de tudo, resolvemos sair e é claro que quem tinha de dirigir era a pessoa mais bêbada da mesa. Depois de entrar na contramao fomos parados por um carro de polícia e me parece que o problema foi resolvido à moda brasileira.

Tivemos altas crises de riso, especialmente ao ver a placa, no ônibus, dizendo que era proibido fumar e "salivar"! Conheci um bassehound com cara e pelagem de pastor alemao, criamos uma gramática castelhana, várias regras para o manual, um milhao de teorias. Enfim, esta está sendo uma viagem que, no mínimo, vai render boas histórias para contar. Aguardem!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Dicas de futebol


Acompanhando os jogos da Copa, descobri que já sei tudo sobre futebol. Tanto é que no jogo de hoje, em que o Brasil foi eliminado, tive muita vontade de ser a técnica do jogo, pois eu sabia tudo que ia acontecer.
Vão aí minhas últimas reflexões sobre o esporte:
Escanteio - Os escanteios são ótimas oportunidades de se fazer gol, mas, como há uma mistura de jogadores de ambos os times, só é possível fazer gol de cabeçada. Nesse caso, os times que têm mais jogadores carecas têm vantagem, pois as cabeças lisas dão precisão à bola, enquanto os cabelos amortecem o impacto, tirando a força da jogada, além de causarem um desvio angular.
Formiguinhas - Quando um jogador se aproxima do gol, tem que chutar logo a bola. Se ele fica enrolando, descem as formiguinhas do time adversário, tornando impossível acertar o gol. Quando é um jogador do time adversário que se aproxima, nossas formiguinhas devem descer rapidamente, para não dar espaço ao outro. Portanto a fórmula para se fazer gol é sair correndo, um ou dois jogadores, mas bem rápido, de forma que os adversários não te alcancem. Sem as formiguinhas, a área fica livre para marcar o almejado gol.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Amo muito tudo isso!


Quando vi, já era. Nunca descobri qual foi o momento em que "esse garoto" tornou-se um dos personagens principais da minha vida. Ele chegou deslizando de patins, com um sorriso enorme no rosto, embaralhando mil ideias na cabeça, fazendo planos pro fim de semana, falando rápido e sempre. Ele trazia tardes inteiras de vagabundagem em boa companhia, inventava cinemas depois da aula, gargalhava comigo de coisas que só nós dois desentendíamos. Ele aprendia comigo a experimentar novas frutas, a comer colorido, a fazer presentes personalizados. Ele me incentivava a pagar todos os micos. Ele dividia lanche comigo na aula, aprendia minhas preferências e me ensinava mais sobre seu gosto de criança. Ele me levava para o seu mundo em Jacarepaguá e me tirava da correria da cidade. Ele borrava os quadros que pintávamos juntos e, com sua característica "espermatozóide", dava um toque especial aos nossos artesanatos. Ele me apresentava a poesia, em prosa ou em verso, que tocava sua alma. Ele dizia que tinha uma ideia e mordia os lábios, assim eu já sabia que ele tinha pensado uma besteira e adorava.

Por isso ele entrou na minha vida de um jeito irreversível "como os dentes" e me conquistou arrebatadoramente. Ele é minha gelatina de guaraná, meu sanduíche da padaria da Marina. Ele é meu casamento pra sempre com marido vivo. Ele é padrinho da minha filha pretinha cantora do Michael Jackson. Ele é meu sócio no centro cultural. É meu companheiro no nonsense, é minha criatura nas histórias, é meu garoto nas bagunças. Ele é meu yogoberry, meu fofo de tirar do lugar, meu baby beef, minha ligação de 25 centavos.

Fundamental, apenas.

Parabéns pelo seu aniversário, Luís Renato!