Ultimamente tenho me sentido velha, severa, impaciente. Indignada demais com as incivilidades cotidianas. Irritadiça com a pessoa que joga lixo na rua, com o colega que suja a classe e não limpa, com o homem que se senta no assento preferencial do metrô e não se levanta quando entra um idoso, com quem se senta em um assento não preferencial e finge que não é com ele.
Mas às vezes me pego pensando se eu tenho o direito de exigir de todos essa polidez burguesa. Se eu posso esperar da caixa do supermercado que ela dê um bom dia sorridente após pegar dois ônibus lotados e passar o dia trabalhando duro. Se eu posso esperar que o jovem exaurido de seu longo dia ceda seu lugar a um idoso.
A verdade é que eu, também, tenho esse lado demasiado humano. Profundamente cansado, esse lado que nega amparo. Esse meu pedaço egoísta e avaro. Eu, também, saio de meu mundo de delicadezas burguesas, para caçar na selva.
Hoje voltei com um amigo no metrô, na hora do rush, sentido zona norte. Propus a ele que seguíssemos até a primeira estação da zona sul, para, sentados, voltarmos. Assim fizemos. Logo que nos sentamos, afirmei que hoje não cederia lugar para ninguém. Estava exausta. Em uma das estações, entrou uma mulher com um bebê de colo. Eu e meu amigo nos entreolhamos: era a primeira provação. Fiz como as tantas pessoas que desprezo: fingi que não era comigo. Uma moça ao nosso lado levantou-se, para que ela se sentasse. Respirei aliviada.
Em seguida, vi, entre a multidão espremida, um velhinho. Cabelo branco, rosto enrugado, costas curvadas. Ele estava em pé, quase do outro lado do vagão. Eu podia fingir que não o via, dentro daquele metrô lotado. Mas a verdade é que o via, tão bem que tinha de desviar o rosto, para não me deparar com a vergonha de minha própria imagem: esse bicho egoísta, que não cederia seu conforto para outrem. O trem deslizava por estações e estações. Eu espiava aquele senhor, que permanecia em pé, com suas costas curvadas e cansadas. Eu indagava se resistiria, se cumpriria meu pacto de ficar sentada, de não ceder, de não doar. Às vezes pensava em desistir, em chamá-lo, em limpar minha consciência, minha vergonha. Mas aí sentia o calor, o ar abafado, olhava para as tantas pessoas espremidas, encostando-se. Então olhava para baixo e continuava fingindo que não podia enxergá-lo, que não podia enxergar-me.
E eis que percebo: com minhas mãos limpas e pele descansada é fácil ser gentil e exigir a mesma delicadeza das pessoas que me cercam. E com meu banho tomado eu vocifero contra a selvageria do mundo, essa selvageria que está em mim e que se manifesta tão logo se apresentem as condições adequadas.
Hoje, no metrô, passei por mim rapidamente. E não me reconheci.