quarta-feira, 11 de junho de 2014
"Amores perros"
Há alguns anos tentei uma reaproximação com um antigo namorado: meu primeiro namorado, para ser mais precisa. Outros já tinham passado pela minha vida e, desde que nos separamos, nunca mais havíamos tido contato. Talvez por medo da morte, talvez pela necessidade de me agarrar às raízes, talvez pelo luto que eu não me permitira viver no tempo certo, o fato é que aquela falta voltou a doer, como presença constante.
Eu mal lembrava o que havia nos separado, mas sei que fui embora de uma maneira brusca, única forma que encontrei de romper aquele laço. E assim, anos depois, tentava voltar. Também bruscamente.
No início ele teve medo: as portas todas trancadas. Ele tinha lá sua razão. Eu também tinha as minhas. Dessas razões que, como disse Pascal, a própria razão desconhece. Então fui aos poucos encontrando frestas. Conseguimos trocar palavras. Alguns encontros. Mágoas que haviam ficado do lado de lá, indigestas.
Até que: uma disposição. Um caminho. Como vivíamos em cidades diferentes, trocamos e-mails, em uma tentativa de voltar a conhecer um ao outro. Expectativas. Perguntas que eu não sabia responder. Insinuações sobre o que ele esperava que eu fosse. Eu entendo: eu deveria ser pelo menos inofensiva, domesticável, não esse ser monstruoso que tem arroubos de desejos e de explosões e de voos.
Por isso ele me escreveu um dia: havia ido à festa de aniversário da Vitória Serafim, namorada do irmão, que, com seu jeito dedicado, discreto e "..." (esqueci a terceira palavra, que pertence ao mesmo conjunto), conquistara até a mãe ciumenta. "Mãe" e "ciumenta" na mesma frase já são palavras que me dão arrepios. Mas o pior era a sugestão que eu lia, diante de todo contexto. Era isso que ele esperava de mim: que fosse dedicada, discreta e não sei mais o quê. Nas entrelinhas dessas três, eu lia uma quarta palavra: submissa.
Eu até me considero dedicada. Eu até posso ser discreta. Mas, definitivamente, não poderia estar ao lado de um homem que esperasse aquilo de mim.
E eu tentei, por mais um tempo, essa aproximação. Tentei quebrar as barreiras e os medos. Mas, a cada dia que acordava pela manhã, repetia para mim: "Eu jamais serei uma Vitória Serafim!" E aquela frase soava já como vitória. Ou como catarse. E eu me sentia bem. E me sentia plena. E gostava de repetir aquele nome, que soava quase como personagem de novela mexicana, o que fazia com que o som reverberasse de jeito mais prazeroso. Eu dizia isso em voz alta, vibrante, todos todos os dias.
É claro que a aproximação definitiva não aconteceu. Mas eu continuei me lembrando e repetindo: "Eu jamais serei uma Vitória Serafim!". Isso me faz lembrar quem eu sou. Às vezes dedicada. Às vezes desleixada. Discreta ou espalhafatosa. Mas plena. Mas eu. Com potência de amar com todas as minhas células. Mas também de ferir, como somos todos nós.
Amar é risco. Amar é perigoso. Mas que me permitam amar sem focinheiras. E que me amem assim, canina. Com minha lealdade e meus dentes.
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Semente
Sempre acontece: Perguntam meu email. E, diante do "hotmail" na resposta, olham-me como se eu tivesse surgido diretamente da pre-historia. Alguns sugerem: "Por que você não troca pro gmail?" Indago a diferença. Explicam-me sobre configurações, arquivos, capacidade de enviar e armazenar dados, coisas assim.
E eu juro que ainda não consigo enxergar a distinção.
Haverá alguma tecnologia que me permita receber mais amor? Doar mais amor? Haverá algum meio que me permita trocar com verdade - ou tocar de verdade? E, se eu adotar o tal do gmail, que tanto me dizem ser mais avançado, vou receber mais mensagens de coração daqueles que amo? E vou alcançar com mais profundidade os seus corações, também? E entenderão melhor o que digo - quando digo? Entenderão o que não digo? Compreenderão o meu silêncio?
Recentemente, em um congresso de comunicação, um dos pesquisadores* falou a seguinte frase, que ficou reverberando em minha alma: "Quando comparo tecnologias, eu não oponho o Windows ao Linux, pois ambos contêm a mesma lógica. Eu o oponho ao machado".
Pois eu aguardo essa tecnologia - uma que seja potente: Que seja o machado a quebrar paredes. Que seja ponte. Que seja semente.
* O pesquisador em questão é Edilson Cazeloto, durante apresentação do trabalho "Sociabilidades gerenciadas: o discurso tecnológico e a despotencialização do imaginário"
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