Essa é a história de uma família que vive em uma cidadezinha do interior de Goiás. Não sei os fatos com detalhes. Sei que eles salvaram um bebê de um incêndio, que matou a mãe e os irmãos da criança. E que depois eles levaram o bebê para casa. Deram-lhe um nome: Tobias. Cuidaram dele. Amaram-no.
É a história de uma família que recebeu Tobias como um filho. Alimentavam-no. Colocavam-no para dormir na cama que lhe arranjaram. Davam-lhe banho.
Um filho.
O detalhe é que Tobias é uma capivara. E só de pensar em uma capivara-menino chamada Tobias andando por aí, já transbordo de afeto. É fato que em qualquer outro caso sou contra animais silvestres sendo criados como domésticos. Mas, vejam bem, aqui eu falo de amor. Tobias foi salvo de um incêndio e foi amado e cuidado.
Passou-se um tempo até que a família adotiva fosse informada: é ilegal criar animais silvestres. Foram corretos: procuraram o Ibama. Entregaram seu filho, em nome da lei.
Ao ser criado em ambiente doméstico, um animal silvestre perde a capacidade de sobreviver em seu habitat natural. Por isso essa família foi tão criticada, me contou minha irmã. Mas, como cada caso é um caso e, neste caso, não se trata de uma família que comprou ilegalmente uma ave silvestre para exibir em seu viveiro, como neste caso não se trata de uma arara azul sendo traficada para gringos exibirem seu exotismo brasileiro, como neste caso não se trata de um quati ou tamanduá andando de coleira acompanhados de donos estúpidos por puro capricho... Como se trata de uma capivara chamada Tobias que foi salva de um incêndio e cuidada, por uma inocente ignorância da ilegalidade de seu ato de afeto... Eu, em meu nenhum poder, os absolvo em nome do amor. Eu, em meu nenhum poder, os bendigo e abençoo.
Pois essa família, que amou Tobias como um filho e ainda assim o entregou às autoridades competentes, voltou um tempo depois para visitá-lo. Ao vê-lo, choraram. Tobias jazia triste e esquecido a um canto. Magro. Ferido. Ali, Tobias era burocraticamente mais uma capivara, sem a singularidade do amor.
Então essa família entrou na justiça, vejam só, pela guarda da capivara. Encontraram uma brecha na lei. Algo sobre idosos com mais de sessenta e cinco anos com depressão. E era tudo verdade. A mãe, senhora idosa, também com depressão por causa de Tobias. Pela lei do amor, eram eles próprios a brecha.
Conseguiram e seguiram as condições impostas pelo Ibama: construíram um espaço adequado, comprometeram-se a submeter Tobias a exames anuais. Foi aí que minha irmã, veterinária, conheceu essa capivara tão amada. "Eles pagaram duzentos reais pelos exames" - ela me contou. "Mas eles tem dinheiro ou só tem amor?"- perguntei. "Só amor. O pai trabalha em uma lavoura de laranja. Eles disseram que já vão começar a juntar dinheiro para os exames do ano que vem."
Então ficamos as duas, eu e minha irmã, assim, aéreas devaneantes pensativas suspirantes sonhadoras.
- Normalmente sou contra. Mas neste caso...
- É... neste caso...
Há casos em que o amor abre frestas. É por elas que entram os dilúvios.