segunda-feira, 28 de maio de 2012
Bolhinhas da Júlia
Recebi um pacote com bolhinhas lindas da minha amiga-irmã Júlia Lemos, de aniversário. Acho que é a primeira vez que posto por aqui um texto não escrito por mim, mas é que desta vez é tão pedaço... Eis sua carta:
"Lian,
Eu louvo a sua existência nesse mundo todos os momentos em que saio das gaiolas tão rígidas da minha razão sistemática e entendo o mundo em comunhão com o meu vento que ri. Você é esta parte tão perigosa desta vida que quer ser séria: você a quebra em mil pedacinhos sem sentido e os joga para o alto. É o perigo mais necessário deste mundo cheio de leis.
Eu sempre soube que você é a minha parte que voa por aí, pés quase descalços que viajam o mundo, braços que se arriscam a novos abraços, olhos que namoram a lua, corpo que se lança ao topo das pedras e garganta que suporta todas as tempestades sem perder a voz para os maiores gritos de alegria. Eu sempre soube que você me salva de ser engolida pela estrutura totalitária que ocupa uma parte. Pois você é essa outra parte minha que voa e que não larga as suas asas: é no céu aberto que nos encontramos.
Mas, dias atrás, lendo Rubem Alves em "Variações sobre o prazer", eu tive a confirmação: é a vida inteira, o planeta todo que louva a sua existência, pois você não salva só a mim, mas o mundo todo. Você é a parte-mundo que desconfia de toda rigidez, é esse pedaço pequeno e frágil que o desfragmenta e bagunça tudo para torná-lo em riso e beleza, para soprá-lo no sem sentido do amor sem razão. O Rubem Alves diz que essa é arte de tomar o mundo só com o corpo... E você sempre soube disso muito bem... você sempre me falou dessa coisa de pensar o corpo, prestar atenção nele. "A razão é totalitária. O que ela deseja é dominar o objeto por meio da compreensão. O sistema é gaiola dentro da qual a razão pretende engaiolar a vida. Não há pássaros soltos de voo imprevisto. O corpo, ao contrário, deseja "fazer amor" com o seu objeto. Daí o seu método fragmentário: provar pequenos pedaços. (...) A razão é séria. Exige o sistema. O corpo é brincalhão, ri da razão." (p.34)
Você é essa menina do corpo brincalhão e é por isso que eu sei que no seu aniversário toda criança que ri, todos os pés que viajam, toda onda que cai, todo tamanduá que é neném, todo ronronar de gato, toda flor de jasmim, todo vento da Gávea, todo brilho da lua, todo "frozen" do yogurt, toda roda de bicicleta, todo "crec" de Skiny, todo poema e toda filosofia louvam a sua existência.
Eu sou apenas um pedacinho destas tantas bolhas que dou a minha melhor parte a esse mundo pra exaltar a sua existência. Porque embora eu também seja esta infância mundo, eu preciso tantas vezes que as suas asas se colem às minhas e me levem para o alto. Hoje quero que você voe longe, que vá bem alto mesmo celebrar o seu dia, que eu vou nas suas bolhas ao vento." (Júlia Lemos)
segunda-feira, 21 de maio de 2012
Pangeia
Eu soube desde o princípio que somos feitos da mesma matéria. Eu vejo pela costa, pelos recortes que se encaixam. Eu vejo pela pele - os diferentes tons de areia. Dela somos feitos. Permeáveis. E o mar é a medida exata da distância que nos une. O mergulho. Quisera eu também brincar sobre as ondas. Quisera ter este domínio impossível sobre a mar. Ato falho. O mar. Lá eu cavaria meu buraco de minhoca, por que não? Quem inventou o tempo e o espaço? Quem inventou de separar os continentes? Outro dia conheci um francês que se encantou com farofa. Disse que, do Brasil, levaria farofa para o mundo, para assim disseminar a paz mundial. Ele não conheceu feijoada, nossa mania de ser homogeneamente diferentes. E de brilhar, quando juntos. Será que o brilho vem da manta ou da cartola do mágico? Tem um adocicado que fica lá no fundo, no final do sabor. Lancheiras abastecidas. Índios voltando ao continente perdido.
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Aniversário
Talvez fosse a proximidade dos dias que mudariam a contagem dos anos. Talvez a chuva que voltasse pro oceano. Mas é que maio é mês de travessia, e eu, que ritualizo tudo, fui me vestindo de nuvem. Evaporar. Desvanecer.
- Eu tenho tido dejà vu todos os dias, todo o tempo.
- Talvez o tempo seja circular.
- Uma amiga me disse que leu em algum lugar uma explicação sobre o fenômeno, algo sobre conexões neuronais.
- Existem várias explicações possíveis, nunca saberemos.
- É... mas acho que a hipótese mais plausível ainda é a dos universos paralelos.
- A mais plausível? Pensei que você fosse dizer...
E o tempo me repetiu. Tudo que era já tinha sido, quiçá fosse sempre. Talvez para que eu não temesse a passagem. São de versos os caminhos, qual escolher? Quisera eu guiar, mas não calculo pedras.
Eu só preciso que alguém me diga que subirá comigo, mesmo se o céu desabar. É possível que haja debandada, mas eu sou taurina, esqueceu? E é maio. É lua cheia. Preciso muito subir. Sumir. Circulíris no céu.
- Circulíris? Bonito isso, gostei.
- Gostou? Eu te dou.
E eu, vestida de nuvem, viro dona de um circulíris azulado.
Amanhece um céu clarinho, tudo fica branco, branco-céu, branco-lua. Em breve ela desaparecerá. E eu, que já estava apegada. Assim é a vida. E é maio, mês de travessia. Eu atravessando nuvens brancas, experimentando o desaparecer. Ser lua. Talvez o tempo seja mesmo circular. Mas o apego, que fazer?
Está tudo bem, a gente pega um barquinho para atravessar. Alguém jogou um pedaço de terra no meio do mundo. Ou alguém jogou um mundo no meio do mar. Sabe-se lá. Eu já me havia dito que neste aniversário queria me isolar. "Sabia que a palavra 'isolar' vem de 'ilha'?" Eu não sabia. SorRio no mar.
Numa outra vida eu quero ser cachorro em um lugarzinho assim, tudo perdido no meio do nada. Eles passeiam no mato, deitam na areia, saem a conversar com toda a gente na rua. Às vezes escolhem alguém e sentam ao lado, somente. E encontram seus amigos cachorros para brincarem em bandos.
Mas desta vez vim gente e me pergunto se as areias daqui cantam por serem mais aeradas, o que vira uma discussão, dessas boas, em que o que menos importa é ter razão. Mas aposto que os cachorros em bando não latem sobre as areias. Ou não. "Tem sempre um 'ou não' do ladinho".
Estamos desaparecidos, leves. Névoa. E de repente tudo é nuvem. E tudo é branco. Então pegamos um outro barco para voltar ao mundo que existe. A ilha desvanecendo ao fundo.
- É, vamos voltar a dois mil e doze.
- Poxa, vou sentir falta de dois mil e nunca.
- O que você disse?
- Dois mil e nunca.
- Que pena. Tinha entendido dois mil e nuvem.
Que seja. Será.
Melhor parte da travessia é se deixar atravessar.
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