(De Sydney a Bali )
Eu começaria essa história por uma imagem. Não é meu o ponto de vista, mas virou minha memória, também. Eu chegando pelo caminho de pedra, arrastando a mala entre as plantas. Ele me viu do alto, da varanda. E, ao longo dos dias, tantas vezes me descreveria esse momento dizendo ser o melhor de todos os seus meses de viagem.
Eu chegando com minha mala. Mas houve tanto antes e tanto depois. Houve Sydney, onde desembarquei para ficar, a princípio, uma semana inteira. Mas havia Bali, essa semente de ideia crescendo de forma tão monstruosa. Houve o estresse da cidade, um telefonema que me fez chorar e depois. Uma decisão completamente impulsiva, uma leviandade tão irresponsável a ponto de me fazer feliz. Uma companhia aérea, uma passagem em mãos. A vontade de sair pulando e gritando. Alegria contida, engolida, engasgada de vergonha. Eu quis berrar na Harbour Bridge, na Sydney Opera House, nas galerias e galerias. Então me cansei da cidade e voltei ao aeroporto à espera.
Foram duas noites viradas sem uma cama, dormindo em lanchonetes e aeroportos. Então cheguei. Com apenas o dinheiro do visto e um e-mail para minha mãe, indicando meu paradeiro e pedindo socorro. Os taxistas vinham me oferecer serviço e eu não sabia o que dizer. "É que normalmente as pessoas, quando viajam para outro país, levam pelo menos algum dinheiro", diria meu amigo mais tarde. Eu não. Eu tinha apenas a vontade.
Então expliquei a situação a um motorista mais prestativo. Poderíamos passar em uma agência, mas eu não tinha certeza se poderia pagá-lo. Ele disse que não perdêssemos tempo e me levou. E lá estava o dinheiro enviado pela minha santa, santa, mãe. Mais tranquila, voltei ao taxi e seguimos um nome.
Eu arrastando a mala pelo caminho de pedra. Ele me gritando da varanda. Então eu pulei e gritei toda a alegria engasgada. Se eu soubesse antes - eu diria. Tudo tem uma razão - ele respondeu tantas vezes.
Anoxia - diagnosticou minha irmã, quando expliquei a sensação que tinha, que tenho sempre. Outra amiga diagnosticara claustrofobia, o que comumente causava uma discussão. A caminho da faculdade, de manhã cedo, eu fazia questão de deixar uma frestinha da janela aberta, mesmo congelando de frio. E, quando ela dizia, eu insistia não ser claustrofóbica. Mas sou. E quase nunca tem a ver com janelas abertas, mas com o espaço que tenho para espalhar a alma. Da última vez em que me pediram amor, eu fugi de bicicleta. Como se o vento aumentasse a velocidade de entrada de ar nos pulmões. Eu dou amor ilimitado, mas não me peçam. Nunca fui boa em cumprir expectativas.
De volta a Bali, eu respirava. Ele na poltrona, eu na mureta da varanda. Nós fechávamos os olhos para sentir o ar nos pulmões. E às vezes eu os abria só para ver o seu rosto, olhos fechados, escutando o silêncio. Acho bonito ver gente em estado de graça.
Era bom estar com ele e era bom que fosse assim, não um romance, mas sintonia e amizade. A gente compartilhava esses longos silêncios. Eles eram preenchidos de um ar fresco de plantas e flores, de cantos de pássaros, de um estar no mundo da forma mais plena possível. Então voltávamos do quase transe e engatávamos longos diálogos.
Todo dia tinha uma flor. Um templo. Uma caminhada. Um mergulho na piscina. Uma única mesa no restaurante, onde podíamos nos espalhar no tatame. Um milkshake de banana e às vezes uma massagem. Ele fumando um cigarro, eu cheirando uma flor. Ele com uma lata de cerveja, eu com uma barra de chocolate. E, quando acordávamos de manhã, já havia sempre na varanda uma garrafa térmica com chá. Então passava o homenzinho e nos via sentados, amanhecendo. E trazia panquecas e frutas. Quando perdi a noção dos dias e das horas, me respondeu meu amigo: Hoje é Bali, amanhã é Bali. É esse o nosso tempo.
Muitas vezes me perguntei como seria ter feito essa viagem sozinha. Menos conforto, mais liberdade, provavelmente. Talvez fosse solitário não ter com quem compartilhar tamanha beleza. Talvez não.
Em meu penúltimo dia acordei atacada, larguei-o no quarto e saí andando sem mais explicações. Anoxia. Visitei mercados, conversei com as pessoas na rua, andei descalça na praia. Uma menina passou por mim de bicicleta, deu meia-volta e guiou meu trajeto. Ela tinha a pele morena e longas tranças. Quase tive certeza de que ela me identificara como irmã no mundo. Aconteceu comigo. Olhando aquele povo, eu podia jurar ser um deles. Indonesiana. Então voltei balinesa ao quarto. Meu amigo estava lá, tranquilo, lendo o livro que eu comprara na Austrália. Ele ficou feliz ao me ver e não pediu explicações. Almoçamos juntos e livres.
No dia seguinte acordamos cedo, ao som do despertador. Tomamos um café-da-manhã silencioso na praia. Aquele cheiro de mar. Eu o observei mais uma vez com os olhos fechados em êxtase. Ele não tinha tranças compridas, olhos puxados ou pele morena. Era um alemão que, por uma sucessão de acasos, encontrei na Austrália. Mas era, certamente, um irmão no mundo.
Nos abraçamos longamente quando meu motorista chegou. Desejamos nos encontrar novamente em vida, mas, secretamente, quase sabemos que não. Então segui o dia, um dia que seria livre e só meu, antes de ser deixada no aeroporto. Visitei templos e vulcões. Escolhi o restaurante do meu gosto. Caminhei no meu ritmo. E, quando me dei conta, estava compartilhando mentalmente as experiências com ele, pensando que ele reclamaria da comida ou que adoraria a paisagem.
E parti no Dia da Independência de Bali, cidade em festa. Uma dor e uma alegria. Sempre a mesma e sempre na mesma medida.
Eu arrastando a mala pela estradinha de pedra.