sábado, 30 de julho de 2011

Australia- primeira parte: TERRA


(SOUTH AUSTRALIA)


Cheguei ao aeroporto de Adelaide ainda levemente estressada, pois havia perdido o primeiro voo. Sensação de ter saído da bolha de sabão que era a Nova Zelândia, o excesso de zelo. Tudo muito limpo e organizado, as pessoas sempre atenciosas e prestativas.

Então, mal saí do avião e lá estava ela, minha irmã, me esperando. Terra firme em um lugar tão distante. E, porque havia uma semana eu não encontrava um rosto conhecido e talvez houvesse um ano que eu não encontrava aquele rosto conhecido, nós não paramos de falar. E, quando digo nós, era muito mais eu, que não me calei durante três ou sete dias. Queria contar-lhe do mundo, do meu mundo, ja que usamos lentes tão parecidas. E ela também me contava de sua vida, o que me fazia rir, pois gosto desse humor de quem não faz piadas, apenas tem uma forma única de experimentar e narrar o mundo.

- Este lugar é muito deserto - ela disse - eu contei quantas pessoas...

E eu interrompia com uma crise de riso, porque pensava que ela contara as pessoas do local.

- Não, eu contei quantas pessoas atrapalham minha vida. Cinco. É muito, pra um lugar tão pequeno. Tem a mulher da cantina, a da administração geral, o motorista do ônibus... - e, quando via que eu achava graca, continuava, séria - o motorista do ônibus me faz muito infeliz!

E eu lhe contava os acontecimentos da minha vida, até ela me interromper, dizendo:

- Nossa, você não para de falar! ... Mas tudo bem, pode falar, mas eu preciso me concentrar no transito de vez em quando.

Gostei de conhecer sua casa, a comida da cantina com a salada que ela preparava, o edredom verde mais quente e macio que existe. Gostei do pássaro com TOC que confundimos mudando os carros de lugar, as comidas típicas australianas que ela me ia apresentando. Os tim tam que eu roubava sempre na geladeira, apesar do ímã com porcos logo na porta, que dizia: "we should stop eating like this". Gostei de passear nos parques, de abraçar cangurus e coalas e de rir da minha irmã dando um cutucão na barriga do morcego. E, quando eu a repreendia, ela dizia: " Eu sei, eu não deveria fazer isso, eu sou veterinária. Mas não resisti." A nossa indignação com os cangurus: "Por que eles saltam, meu deus?" E depois, voltar para casa com alguém ao meu lado dizendo, durante o trajeto inteiro: "poim, poim, poim..."

Eu reconheço nossa linguagem onomatopéica. Eu reconheco imediatamente ela em mim, pois ser uma irmã da familia Tai é isso: ter em uma só conversa crises de riso e de choro: pela situação dos aborígines na Australia, pelo mendigo no Largo do Machado e pela confusão sem fim do mundo. E falar sobre crises que só a outra entenderá. Sobre estar em um lugar estranho. A liberdade de se ser tudo, já que são os laços sociais que nos definem. E o quanto isso nos assusta. É tão difícil ser tudo de novo.

E, sendo transportada a sua vida, conhecendo seu namorado, sendo levada a lugares belíssimos e a experimentar diversos sabores, era engracado como no meio de tudo aquilo que me era desconhecido, eu me sentia em terra tão firme.

As tais raízes.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Aotearoa




"Como este ceu é denso!" foi meu primeiro pensamento ao descer no país das nuvens. Eu as olhava, brancas e fofas, da janela do ônibus. Anos antes eu dissera a alguém que são essas as nuvens das quais gosto mais. Ele me respondeu que eram cumulus. E hoje descobri o significado de Aotearoa, o nome maori do país: longas nuvens brancas. Então eles também, os maori, sabiam.



No aeroporto me preparo para partir. Breve, breve passagem pelo país das nuvens. Algum tempo antes busquei uma delas, pequenina, lá do alto, para um menino que passou de skate. Daqui eu levaria várias, fartas, ao alcance das mãos, para as pessoas queridas que ficaram, pessoas que eu trouxe. Catá-las-ia nos lagos, nos prédios, nos céus. Seria bonito tirar nuvens brancas das malas. E dizer assim: " pra você eu trouxe a nuvenzinha que saía de um vulcão", "pra você eu trouxe esta, trespassada pelo sol". Ou pelos nomes: cumulus, nimbus, cirrus. E ir tirando nuvens como coelhos da cartola.


Hoje tive uma dor de cabeça que me fez querer parar. Sumir, talvez. Tomar sorvete. Então escolhi um cheio de berries e me sentei à rua, na tarde fria, porém ensolarada. Um sol de nuvens brancas e longas. Aotearoa.


Quero partir daqui assim, como quem lentamente vai desvanecendo com um sorvete na mão, entre as nuvens.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

B-612




E eu voei durante treze horas de um longo sono. Não fiz planos. Confesso que muito mais por preguiça do que por espírito aventureiro. Talvez porque abrir as velas me premiasse com as melhores ondas. Eu acredito nos bons ventos que virão. Eles sempre me vieram.

Caí no lugar certo com as pessoas certas. Elas tão educadas e prestativas. Fácil chegar onde se quer. Tive que abrir mão de um dos destinos, entretanto. Uma longa caminhada entre montanhas, com a recompensa de lagos verdes, um verde-esmeralda de cegar. Mas agora há chuva e neve, o trajeto fica perigoso, me disse o rapaz. A trilha é sinalizada? perguntei, na esperança de ir sozinha apesar de. E imediatamente me lembrei de meu pai, dizendo para eu não inventar de me meter sozinha nos desertos. Onde sempre acabo entrando, de uma forma ou de outra.

Então vim direto para um outro destino: os vulcões. Gosto de tudo que nao se contém. As intersecções, que ludibriam as margens. E reverbera em mim uma carta e dentro dela uma frase, que eu colocaria entre parênteses, não fossem eles, também, margens. Mas volto aos vulcões. E ao que escapa. Em que planeta estou? eu me perguntei. Gosto do que escapa.

Alguém me disse que viajar sozinha é uma ótima maneira de se encontrar. Não tenho essa pretensão. Me perco e me encontro diariamente, nao importa onde. Mas encontro pedacos onde vou. Isso também sou eu, reconheço. Quer dizer que andar na cidade pacata, com tanta cara de Estados Unidos, dói? Quer dizer. Outro pedaço. Pequenos traumas (?) para os quais não tenho explicação. Som de tv. Pôr do sol. Feijão na panela de pressão. Cidade americana. São dores específicas e sim, também sou eu.

E eu me vejo em tudo isso: nos campos ondulados, nos vulcões, nas pessoas amigáveis e no louco que disse algo que me fez chorar. No banho de lama que não tomei e me arrependi, na caminhada perigosa entre montanhas, no deserto e de repente. Um pensamento que eu acreditei depositar no Pacífico, mas que veio disfarçadamente comigo.

Aceito os pedacos.


quarta-feira, 6 de julho de 2011

Retalhos (poesia do olhar)

E fomos respondendo um ao outro com letras de músicas. O diálogo ficou longo e, quando vi, até que fez sentido. Juntei tudo num texto só, mudando apenas as pontuações:


"No balanço das ondas, eu vou: os barcos são a alegria desse lugar, toda tarde tem festa quando chegam do mar, na ilha de Lia(n) no barco de Rosa. Mas que bobagem, as rosas não falam. Ah, mas elas exalam. Devias vir para ver os meus olhos tristonhos. Seus olhos e seus olhares, milhares de tentações. Juro por Deus que a luz dos olhos meus já não pode esperar. Eu estou a lhe esperar, todo dia, toda hora, em qualquer lugar, por onde for quero ser seu par. Aonde quer que eu vá, levo você no olhar.Te ver e não te querer é improvável, é impossível. Se dizem que é impossível, eu digo "é necessário". Se dizem que estou louco, fazendo tudo ao contrário, eu digo que é preciso, eu preciso, é necessário: All you need is love, all is full of love, all around you. You stick around now it may show I don't know, I don't know. It's not hard to grow when you know that you just don't know. You dont know what I know, cause I know where we came from. It would sure be nice to be back home, where there's love and affection, get back to where you once belonged: I belong to you, you belong to me, this is our fate, I'm yours. Sou sua jura, sou sua cura pro mal do amor. Todo mundo ama um dia, todo mundo chora, um dia a gente chega e no outro vai embora. E assim chegar e partir são só dois lados da mesma viagem. Mas se ela voltar, se ela voltar que coisa linda! Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim. A gente é feito pra acabar, a gente é feito pra dizer que sim. Enquanto o amor ferir, e o pranto a dor sarar, não digo “não” nem dou o “sim”. "Sim", são três letrinhas, todas bonitinhas, fáceis de dizer, ditas por você, nesse seu sim assim, sem ter fim, pra você eu digo: sim! Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria. Isso pra mim é viver. Ah, se eu pudesse te buscar sorrindo e lindo fosse o dia, como um dia foi. Ah, se eu pudesse, no fim do caminho, achar nosso barquinho e levá-lo ao mar! O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito. O sol colorindo, é tão lindo, é tão lindo. E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo. Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo. Quando o segundo sol chegar, para realinhar as órbitas dos planetas, deixo toda dor pra trás, perdida num planeta abandonado no espaço. E os meus passos nunca mais serão iguais: Roda pela vida afora e põe pra fora esta alegria, canta que amanhece o dia pra se cantar. Gira, que essa gente aflita se agita e segue no seu passo. Mostra toda essa poesia do olhar."

domingo, 3 de julho de 2011

Aquarela


Foi seu pincel que deu os meus traços.

Dele eu tenho a tez morena, o queixo quadrado e às vezes, só às vezes, esse longo silêncio. Dele eu tenho esse sangue quente e vermelho, que tento abrandar com a fluidez de águas doces. Ele não. Ele vive o fogo e não foge ao incêndio. Dele eu tenho o exército que impede a invasão das não-borboletas. Tenho o solo seco na superfície, para que floresçam os profundamente enraizados. Dele eu tenho o apego à vida. Mas ele tem vida para mil planos e planos para mil vidas. E eu tenho apenas essa alegria vagabunda de existir. Isso é meu. Mas foi dele que ganhei os primeiros pássaros.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Pacto


De sempre em diante, de ontem pra sempre, fica acordado entre ambas as partes que é proibido adormecer. Que vida deve pulsar na ponta de cada dedo, que nossa luz deve expulsar alguma sombra de medo, alguma sobra em segredo. Fica decretado que é cedo. Que somos amigos de infância, eu e você. É proibido se perder no tempo dos homens. Fica acordado que não somos mortais. Fica acordado, amigo. Eu preciso de você atento, eu preciso de você comigo. Mesmo que as estradas e as distâncias e as neblinas tentem nos cegar. É necessário saber ser infinito, ser vário. É essencial buscar no alto da montanha as tramas que nos vestem. Porque é preciso ser grande, ser vasto. É porque não me basto e nunca basta ser um. É porque seu sorriso largo me abastece, o seu riso é uma prece e é nisso que acredito: a gargalhada, o soluço, o grito. É um pacto: mesmo longe, fique dentro, fique ao lado. Mundo fica mais bonito.