Era pela certeza do desencontro e pela esperança da redenção que ela tinha esse apreço pelas palavras. O simulacro de ponte da comunicação impossível. Aprendera cedo. Quantos anos ela tinha? Dois? Três anos? Quando, na creche, quisera imitar o amiguinho que, brincando, dava chutes de leve na perna da outra garota. Ainda lembrava os nomes: Flávia e Ângelo. Ele deu o primeiro chute. Flávia riu. O segundo. Ela riu novamente. O terceiro. Observando tudo aquilo, quis imitar o garoto. Ela, também, deu um chute na perna de Flávia. Um segundo. Um terceiro. E Flávia começou a chorar. Os professores acudiram, um carregou a vítima, o outro, a agressora.
- Você não pode chutar sua amiguinha - o professor explicava.
- Mas eu já pedi desculpas! - ela repetia, chorosa.
- Que bom que pediu desculpas, mas mesmo assim não pode bater.
- Mas eu já pedi desculpas!
Se ela soubesse as palavras, explicaria, não que já tinha pedido desculpas, mas que aquilo fora uma brincadeira, sem intenção de machucar. A resposta ficou engasgada e, quando ela aprendeu as palavras, já não tinha a quem se explicar. Por isso o fascínio por essas palavras que, mesmo encerrando-se no abismo da subjetividade inefável, traziam essa breve esperança da compreensão. E as folhas em branco tornaram-se tentativas de tradução. Mesmo nas estórias imaginadas, nas personagens criadas, tratava-se apenas dela, embora em linguagens outras. Bem sabia que sua verdade não residia nos fatos.
Mas agora era diferente. O escritor fazia dela personagem e tentava interpretá-la com sua própria língua. Justo ela, que não sabia viver em histórias alheias. Então ela apenas soltou a caneta e, impotente, viu-se reinventada.