quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Adeus Ano Velho

No início resisti às mudanças. Sofri com as mortes. Tive meus dias de luto e neles me permiti a loucura. E aos poucos fui doando mais e doendo menos (já dizia Arnaldo Antunes que "a tristeza é uma forma de egoísmo"). Fluindo. Quando me vi preparada, resolvi executar meus pequenos rituais. Apagar as mensagens do celular. Trocar os anéis de mãos. Largar a bolsa do outro lado do sofá. Que era pro corpo entender a nova ordem. E subitamente me vi pronta e desejando o novo. Que venha 2011!

domingo, 26 de dezembro de 2010

Partida - parte II

Eu hoje saio de tua estrada. Eu que nela entrei quase que por acidente, mas com o planejamento de milênios, pela força dos astros e das marés. Eu que me sujei de teu pó, comi de teus frutos, arranhei-me em teus espinhos. Hoje saio de teu caminho.

Eu que vim de outras terras até te encontrar. Eu que vim por acaso e quase sem procurar. Vim por engano, seguindo um rastro de bicho, um cheiro de flor, uma folha ao léu. Eu que vim perseguindo uma bola de meia, correndo atrás de uma pipa, de um avião de papel. Eu que vim de bobeira, mas predestinada. Eu hoje saio de tua estrada.

Parto sangrando. E talvez seja isso um parto normal. Eu vou para o mundo e vou só, sem meu cordão umbilical. Aprendendo a respirar sozinha, a procurar meu próprio alimento, a caminhar com meus pés. E tão logo parto me vejo adulta e inteira: deixei de ser teu neném. E tenho que encarar meu novo alguém.

Mas não sem antes dizer que explorei teu terreno com a avidez não de quem procura um tesouro, mas de quem o tem em mãos. Provei de todos os frutos, as ervas, as sementes. Provei dos venenos. Cem vezes morri de frio e de calor. Nadei em teu rio, bebi de tu'água. Subi em todas as árvores, caí de algumas delas.

Eu vivi o teu terreno pensando ir embora e, no fundo, desejando ser enterrada ali. Eu temi a força com que tuas águas me puxavam. A mata fechada, a areia movediça e sobretudo a fauna. Quantas vezes fui arranhada pelas garras dos animais selvagens, enquanto suas patas macias me aconchegavam.

Eu criei subterfúgios para sobreviver à tua natureza hostil. Tentei fincar minha bandeira, levantar edifícios, fundar civilizações. E, da minha maneira torta, fui desequilibrando teu ecossistema, quando tudo que queria era plantar sementes.

Hoje parto com os pés descalços e sujos de tua terra. Parto com flores nas mãos, carregando teu perfume. Olho em frente com coragem, sigo alguns passos e, quando sinto o coração parar, paro eu também, hesitante. E me permito olhar pra trás, recuar. E novamente sigo em frente, esquecida de onde venho, afinal. Hoje saio de tua estrada. Hoje morro de parto normal.

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Em agosto de 2009 postei um texto chamado "Partida", como uma brincadeira proposta pelo meu amigo Renato Cirino, a partir de um meme. Em seguida, dando continuidade à brincadeira, escrevi outro texto chamado "Chegada", em outubro do mesmo ano. Mas, como a vida é uma sucessão de chegadas e partidas, parto de novo...

domingo, 19 de dezembro de 2010

Rede de proteção

Tenho amigos que são minha rede de proteção. Eu me atiro em minha loucura e eles seguram para que eu não caia do precipício. São poucos, pouquíssimos. E já são tantos, visto que amigos desses são coisa rara.

São aqueles que me adotam quando eu preciso de cuidados. Que me escutam chorar sem a ansiedade de me fazer rir. Sem o didatismo de quem não entende uma dor real.

Tenho amigos que não temem meus abismos. Eles convivem com os monstros que desenterro. Conversam com eles. Escutam.

Tenho amigos que não são amigos. São anjos e fadas. Que foram jogados no meu caminho para auxiliar a caminhada.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Reinvenção

Quando peguei a tabela com a programação, resmunguei: Quero férias! Não quero fazer aula de maquiagem! Não quero comprar pancake! Não quero pintar o rosto! Não quero!!!!!

Então ninguém entendeu quando, sem pintura nenhuma, minha feição mudou completamente ao ver a professora entrar na sala. Era a agitação com os espelhos, com o lugar na mesa montada, a novidade. Eram as cores, os volumes, os desenhos.

E logo eu estava me melando de maquiagem e atormentando a professora com meus "e agora?", louca para chegar à próxima etapa. Verdade é que ando cansada de ser instável por dentro e estável por fora. Ter este rosto perenemente igual, que me mortifica como alguém que não sou. Quero me reinventar. Não, não é isso. É que, ao redesenhar o meu rosto, eu não acrescento camadas, eu tiro excessos. Aqueles que devem ser tirados para que apareça a escultura, a forma que existe e que se esconde.

É porque eu sou mutável. É porque eu amo, desamo e amo de novo. É porque eu choro e rio, eu chuva e mar. É porque eu me canso com o mesmo furor com que agarro, eu me amarro e fujo. E escapo entre dedos. Entre os meus finos dedos.

É por isso que me surpreendo ao me fazer básica, velha ou palhaça. É porque me deparo comigo. Porque sou fractal. Porque todas as minhas versões são verdade.

Haja pancake para me alcançar.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Promessa de chuva


O céu ameaçou a chuva que há tempos o tempo prometia. Chuva larga, de lavar o mundo, de inundar a casa. E eu fiz planos de tempestade.

Esperava muito, pois era promessa antiga. Esperava chuva grande, de tornar as coisas pequenas. Desses dias em que as poças d'água me espelham. E em que as ilusões, frágeis, dissolvem-se.

Sonhava com banhos de chuva de antanho. Da época em que descíamos com agasalhos de lã, encharcando-nos e cantando que "é a dança da chuva", até as empregadas, alarmadas, buscarem-nos pelos braços. Da época em que, após corrermos e nos abrigarmos embaixo de toldos, minha irmã sugeria que ignorássemos a chuva, então saíamos felizes e molhadas, andando como se fora um dia de sol. E com banhos de chuva de agora, caminhando saltitante com o amigo descalço.

Sonhava com uma chuva que lavasse tudo. Lavasse não, levasse embora. Uma chuva que afogasse as inquietações e trouxesse à tona apenas os tesouros. São tão poucos e pobres meus tesouros, que por isso me são mais caros.

Hoje o céu ficou repleto de nuvens pretas, com promessa de tempestade para os meus raios. Hoje eu quase chovi de alegria. Mas a chuva lá fora foi tão pequena que mal lavou o meu dia.