O encontro acontece em uma praça, ao som de "Canção pra viver mais", de Pato Fu. A primeira tem cabelos negros e compridos, cara lavada, usa um vestido esvoaçante e sandálias havaianas. A segunda tem cabelos vermelhos e curtos, usa um batom escuro, calças largas, com um pedaço da cueca aparecendo, e tênis vermelhos, como os cabelos. A primeira reconhece imediatamente a segunda. Sorri. Esta fita a primeira, intrigada. Pergunta-se:
Lian 18: Será?
Como a pergunta saíra em voz alta, a outra responde:
Lian 28: Será. Ou melhor, sou. - e olha para a garota perplexa em sua frente . Estará ela decepcionada?
Lian 18 analisa. Quem é a garota de chinelos e vestido esvoaçante? Que será que ela faz da vida? Onde vive? Como vive? Aproxima-se e toca-lhe o braço, apenas para confirmar sua materialidade. Lian 28 lança-lhe um olhar irônico. Sabe ser objeto de curiosidade da garota de cabelos vermelhos, que ela tanto e tão profundamente conhece.
Lian 28: Vamos, pergunte!
Lian 18: Perguntar o quê?
Lian 28: Tudo o que você quiser.
Lian 18: Eu quero perguntar tudo.
Lian 28: Melhor a gente se sentar.
Lian 28 olha em volta. Repara nas árvores, nos bancos. Muita coisa se passara ali. Banhos de chuva, pactos, fim do mundo.
Lian 18: Reconhece este lugar?
Lian 28: Sempre.
Lian 18: E então, como acabou?
Lian 28: Nada acabou ainda. Os caminhos não se fecharam. Abriram-se, cada vez mais incertos.
Lian 18: E a revolução, as mudanças?
Lian 28: As mudanças foram outras.
Lian 18: E os ideais?
Lian 28: Não sobreviveram.
A menina de cabelos vermelhos olha para o chão, desapontada. Prometera-se não deixar de acreditar, de lutar. Mas era isso, então... os ideais estavam fadados a morrer e no fundo ela já pressentira. Estava feliz, tão feliz e tão plena que não queria mais mudar o mundo. Mas se apegara àquele ideal por teimosia. Então, hesitante, fez a pergunta, aquela que há muito ansiava:
Lian 18: E o amor?
Lian 28 deu um suspiro. O amor. Não sabia o que responder. Poderia dizer que acabou. Mas acabam, essas coisas de amor? Passaram-lhe muitas coisas pela cabeça. A ela, essa garota de cabelos longos e negros, ocorria isso: preguiça de falar. Principalmente quando todos os pensamentos apareciam assim: incoerentes, complexos. Pensou em explicar os fatos, tentou ordenar todos os sentimentos, as necessidades que justificavam os encontros e as partidas. Não soube fazê-lo. Limitou-se a olhar para o horizonte e dar uma resposta vaga:
Lian 28: Os caminhos...
A outra entendeu. As duas ficaram longo período caladas, perdidas em algum tempo que não era o delas. Até que, cortando o silêncio, voz embargada, uma delas falou:
Lian 18: Minha promessa é o para sempre.
Lian 28: Não funcionou. Mas outros vieram, outro virão.
Lian 18: É a mesma coisa?
Lian 28: Nunca é.
Lian 18: Profissão?
Lian 28: Talvez encontremos por aí a Lian 38 e ela nos possa responder. Eu não tenho essa resposta.
Lian 18: E o que ficou de mim?
Lian 28: Eu te escondi durante muito tempo. Cheguei a pensar que você não mais existisse. Mas aí comecei a percebê-la em algumas pequenas coisas, principalmente na intensidade e na cegueira.
Lian 18: Aprendizados?
Lian 28: Nenhum.
Lian 18: Como, nenhum?
Lian 28: Tudo que aprendi aos 20, desaprendi aos 25.
Desta vez as duas silenciam e não dão continuidade ao diálogo. Ambas prestam atenção à música que toca: "... deixei que tudo desaparecesse e perto do fim não pude mais encontrar, e o amor ainda estava lá..."