Escuto uma música, assisto a uma peça ou filme, vejo um quadro ou uma paisagem. E pego pra mim aquilo que me pertence. Aquilo que é intrinsecamente meu e está espalhado pelo mundo, pelas obras. Gosto quando encontro uma frase, um diálogo, que me emociona. Certas palavras têm poder de evocar o que somos. Ultimamente uma fala da peça "Viver sem tempos mortos" povoa minha alma. Faz pensar no Amor e na Morte, minhas duas grandes obsessões, mas que talvez sejam um tema só, pois que não consigo pensar neles separados.
"Viver sem tempos mortos" é uma peça sobre a filósofa Simone de Beauvoir, representada por Fernanda Montenegro. Outra hora teço meus mil elogios à peça e à atuação de Fernanda, mas o que quero contar agora é esse trechinho de fala. Ao falar sobre a morte de Sartre, seu grande companheiro de vida, Simone diz: " SUA MORTE NOS SEPAROU. MINHA MORTE NÃO NOS REUNIRÁ. ASSIM É."
Amor é uma coisa meio aleatória. A pessoa aparece na sua vida do jeito certo e no momento certo. Outras pessoas aparecem. Mas, por algum motivo, é uma que te dá um sentido especial. E esse motivo quase nunca é a soma de qualidades. Não escolhemos alguém porque ela seja a mais bonita, a mais inteligente, a mais rica. Summer, em "500 dias com ela", reencontra seu ex após se casar com outro rapaz. Ela, que temia compromissos, agora estava casada. Como assim? Então acontece um dos diálogos mais bonitos do filme:
- Um dia eu acordei e soube.
- Soube o quê? - ele insiste.
- O que eu nunca tive certeza com você.
Simples assim. Alguém me disse, certa vez, que não existe a pessoa certa no momento errado. Tinha razão. Amor não tem muitas explicações. Contra amor não se argumenta. A gente sabe, apenas.
E é porque temos o sabor, o saber do Amor, que a Morte me é tão absurda. Porque torna finito aquilo que é transcendental. "Minha morte não nos reunirá". Eu amar e ter amado tanto faz com que eu não me conforme com a Morte. O universo funcionando como um sistema fá-la parecer natural. Tudo circula. A vida humana é, para mim, uma interrupção nesse fluxo. O modo como simbolizamos nossa vida, pricipalmente por esse modo, que é amar, atribuir a outros um sentido único, quebra o absurdo da falta de sentido. Mesmo que seja um sentido inventado. Não deveria fazer parte desse sistema em que tudo passa, não segue essa lógica.
Amar é aleatório. Mas morrer é imoral.