segunda-feira, 30 de março de 2009

Mais da rotina...


Já faz alguns dias em que acordo de manhã e meus neurônios ficam dormindo. Estou inacreditavelmente sonsa. Confundi datas e até cismei que o relógio do Nel estava errado, provando-lhe ao apontar na minha agenda "está vendo que primeiro de abril é na terça-feira?", quando estava escrito bem legivelmente na página "quarta-feira". Quando a Leilane falou na varanda de casa, fiquei imaginando de que casa ela tratava, pois não lembrava que aqui em casa tinha varanda. E ela, chocada, dizia: "Lian, aonde você acha que aquela porta de vidro da sala vai dar??" E eu: "Ãh? Porta de vidro? Não é uma janela?" Quando cheguei em casa, fiquei espantada ao perceber que, de fato, há uma varanda no nosso apartamento. E o pior é que eu até a frequento, pois é sempre lá que corto as unhas ou fico olhando para a piscina do Clube América, louca para me atirar. Juro que não fumo nada. Pelo menos tenho a desculpa de ter passado o mês de fevereiro inteiro perto da Júlia.

Descobri que Saint-Éxupery é um chato de galocha. Encontrei um livro todo lindinho, chamado "O amor do Pequeno Príncipe", com ilustrações feitas por ele e trechos de cartas que ele escrevera para uma paixão. Senti-me mal pela garota. Em todas as cartas ele só faz cobranças e reclama, reclama, reclama. Diz que ela não ligou, não o visitou, não teve consideração, etc. etc. e etc. Um ressentido. Fiquei decepcionada. Mas também, o que deveria ficar de certas pessoas são suas obras, não suas intimidades impublicáveis publicadas. Se um dia eu ficar interessante ou famosa o suficiente a ponto de as pessoas se interessarem por minha vida após minha morte, estarei perdida. Tenho tantas coisas impublicáveis espalhadas por aí. Milhões de cartas distribuídas por vários destinatários. Milhões de poesias de quinta categoria em papéis soltos. Confissões e confissões em páginas aleatórias de cadernos quaisquer. Pedaços de mim? Pode até ser. Mas, lidos por não iniciados, essas palavras perdidas mais me mentem do que me revelam.

terça-feira, 24 de março de 2009

Superfície

Depois de encasquetar com a morte, de morrer de vontade de jogar um mochilão pelas costas e me perder pelo mundo, de querer me jogar de ou em algum lugar, rasgar, pintar, meditar, delirar ou fazer qualquer coisa catártica, essas duas semanas no Rio estão sendo simples, apenas. Permitindo-me viver adolescências, ficar cansada, gostar e desgostar das pessoas, desgostar e gostar das pessoas. Permitindo-me não pensar e ficar na superfície das coisas. A ponto de ficar dias sem escrever no blog por pura falta de assunto.


terça-feira, 17 de março de 2009

A eternidade

Percebi que a morte é assunto recorrente em meu blog. Mas juro que, quando falo em morte, estou falando de amor. Assunto que ciclicamente me espanta. A finitude desse algo infinito. Recentemente descobri que o amor faz a morte absurda. A arte a torna suportável.

E se eu vivesse 100 anos...

Cem anos é pouco. É quase nada.

A eternidade me bastaria. Se fôssemos eternos, não haveria despedidas. Viveríamos todas as vidas possíveis, todos os amores possíveis. Nos desencontraríamos tranquilamente, com a garantia de que haveria um reencontro mil anos depois, milhões de anos depois.

Mas, se fôssemos eternos, o que seríamos? Com certeza nada do que reconhecemos como humano. Amaríamos, ainda assim, na nossa inumana forma?

Mas 100 anos... O que se faz em 100 anos? É pouco. É muito pouco...

sexta-feira, 13 de março de 2009

Rotina

Deu nos jornais que um maluco se jogou em um avião no Shopping Flamboyant. Peguei-me pensando que não é só a mim que Goiânia enlouquece. Um mês inteiro em Goiânia quase me enlouqueceu. Meu passado revisitado de fora. Tudo aquilo que fora tão meu, desta vez tão longe do meu alcance.

Voltei ao Rio e finalmente respirei. O presente. Desenraizado, mas presente. A volta da rotina, com novas aulas, novos professores. Fiquei quebrada fisicamente, cansada, exausta. Mas emocionalmente anestesiada.

Hoje mergulhei novamente em mim. E foi bom.

domingo, 1 de março de 2009

"Desculpe, mas se morre"


Clarice Lispector tem um texto em que ela cita várias pessoas suas conhecidas que morreram. E encerra com a frase: "Desculpe, mas se morre". Quando li a primeira vez, fiquei abismada. Chocada com aquela verdade que parece tão simples e tão óbvia, mas que só de repente a gente a retém. A morte é questão que muito me intriga, quando, por um segundo, consigo compreendê-la, não com a compreensão racional e as frases que somos acostumados a ouvir e repetir ( "é o ciclo natural das coisas", etc. e etc. ), mas com a sensação profunda de alguém que, de repente, depara-se com a finitude.

Eu queria muito acreditar em religiões, em salvações, em almas. Mas não acredito. Também nunca compreendi o "eterno retorno", de Nietzsche, até um dia um professor explicar de um jeito que pareceu fazer sentido: "Se partirmos do princípio de que o universo é finito, então temos que concordar que há um número limitado de combinações possíveis dentro desse universo. Encerradas todas as combinações, é preciso que elas se repitam". Mas daí eu penso que isso só pode ocorrer se o universo for finito no espaço, mas não no tempo. Mas não existe tempo sem espaço... Divagações... A verdade é que essa idéia, que ameaça fazer algum sentido, parece ser a última religiosidade que me resta. Às vezes me agarro a ela com desespero.

Como é possível que pessoas vivam, sintam, amem, criem sentidos, pensem ... e um dia simplesmente acabem? A morte dos outros me espanta. A minha morte me espanta. Não faz muito tempo que descobri que morro. Então eu, eu também, sou mortal? Quando criança, eu me pendurava do lado de fora da varanda do meu apartamento, confiante em minha imortalidade. Eu já pulei do terraço do prédio para dentro da janela do andar abaixo, menina-aranha. Eu, naquela época, não morria. Hoje morro.

Faz alguns anos tive uma infecção. Decidi não tomar antibióticos, pensando: "Ou meu corpo se defende, ou morro. Como não morro, é claro que meu corpo vai se defender sozinho." Resultado: Fui parar no pronto-socorro e não morri. Mas descobri que poderia. Foi nesse dia que, em um choque, descobri minha mortalidade. Dois dias atrás, virei a madrugada no hospital, com crise asmática, bronquite, febre, respirando com dificuldade. Não era caso de morte, era só caso de tratamento. Mas levei a sério o ofício de cuidar desse corpo que é tão finito e que é tudo que sou. Este corpo, que é minha alma. E nada mais tenho além da leve esperança de que um dia, em um tempo humanamente imensurável, galáxias, estrelas, planetas ressurjam. E que entre eles, haja um planetinha azul, e que surjam vidas e que surjam povos, culturas. E que eles se encontrem. E que, dentre os encontros e desencontros, nasça uma garota chinesa em Goiânia, chamada Lian. E que ela viva, sinta, pense, ame, tema a morte, morra. E que tudo se repita infinitamente.